sexta-feira, 21 de fevereiro de 2014

Cidadãos de corpo inteiro ou delegados partidos?

Escrevi este artigo de opinião em 20 de Março de 2013. Recomendo-o aos militantes do partido que, este fim de semana, realiza um congresso de costas voltadas para o povo português:


Cidadãos de corpo inteiro
Embora com outra roupagem, a política portuguesa continua a ser caracterizada pelo caciquismo oitocentista, tão bem retratado em “A Queda de um Anjo” de Camilo Castelo Branco, “A Morgadinha dos Canaviais” de Júlio Dinis, “O Senhor Deputado” de Lourenço Pinto, “Uma Eleição Perdida” do Conde de Ficalho ou “A Ilustre Casa de Ramires” de Eça de Queirós. Para a maioria da população, “a actividade política era encarada como uma esfera à parte, algo exterior a si, que não entendia e que não se sentia motivada a participar voluntariamente”, tal como acontece ainda hoje em Portugal, se exceptuarmos alguns sobressaltos reivindicativos.
“Eleições e Caciquismo no Portugal Oitocentista (1868-1890)” de Pedro Tavares de Almeida e “Cidadania, Caciquismo e Poder (1890-1916)” de Luís Vidigal, são duas obras que descrevem o comportamento político de tipo clientelista-caciquista à época, afirmando o primeiro que, apesar de o liberalismo “ter trazido consigo o princípio da soberania da nação e dos mecanismos do governo representativo”, as elites governantes consideravam as eleições “um instrumento de manipulação de jogos de poder”. A “invenção da cidadania”, em que se reconhecia aos membros iguais de uma nação o direito de governar através dos seus representantes livremente eleitos, era utilizada pelas elites como “antídoto contra o descontentamento e o activismo revolucionário, e como estratégia de integração nacional e da autoridade territorial do Estado”.
É neste contexto que se assiste a “manifestações de fraude, corrupção, dominação dos notáveis, clientelismo na mobilização e controlo do voto, e uma intromissão abusiva do governo nas eleições”, podendo concluir-se que a “cidadania” não passava de uma mera ficção jurídica e ideológica. Era o “cacique proprietário” que, dada a sua “posição económica favorável, pergaminho familiar, prestígio profissional, cultural e simbólico, mobilizava os votos e consagrava as fidelidades”, tendo posteriormente emergido, com o alargamento da máquina eleitoral ao interior do país, o “cacique burocrático”, bem posicionado no aparelho do Estado e vocacionado para assegurar a ordem pública, “com base numa vasta rede de lealdades e favores, submissão e ameaças de coacção”.
Em ano de eleições autárquicas, é tempo de passar da ficção à realidade, de perceber que só uma verdadeira cidadania tirará o país da miséria, de exigir um novo quadro legal que impeça o vicioso carreirismo-caciquismo e promova a ética e o mérito político. É tempo, em suma, de os dirigentes políticos optarem por ser líderes e não patrões ou amos, e de as pessoas perderem o medo, endireitarem a espinha e levantarem o queixo, assumindo-se como cidadãos de corpo inteiro.

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