sábado, 14 de março de 2015

169. Viver da herança

De acordo com o Instituto Nacional de Estatística, Caldas da Rainha registou em 2011 o maior poder de compra da região Oeste, inclusive acima do concelho de Torres Vedras. Num raio de cinquenta quilómetros, só Leiria e Santarém superam as Caldas no Indicador per Capita (IpC) do poder de compra concelhio, o qual reflecte o nível de bem-estar material da população, em sentido lato. Motivo de regozijo, portanto, certo? O leitor o dirá, depois de analisar o que vem a seguir.
O Estudo sobre o Poder de Compra Concelhio (EPCC) é realizado anualmente e, nos sites do INE e da PORDATA, estão disponíveis os dados relativos ao período 1993-2011. De acordo com os mesmos, o IpC da região Oeste, dos concelhos próximos que a integram e, ainda, de Leiria, Santarém e Rio Maior foram, em 1993 e 2011, os seguintes:


Como se vê, Óbidos foi o concelho que mais evoluiu na melhoria comparativa do bem-estar material da sua população, tendo o respectivo IpC crescido mais de 60% em 18 anos. Os grandes concelhos de Santarém e Leiria mantiveram sensivelmente o mesmo nível do país e Torres Vedras registou uma significativa recuperação face à média nacional. E Caldas da Rainha? Apesar de ainda se encontrar ligeiramente acima da base 100 (Portugal), o concelho caiu 9 pontos percentuais, contrariando a tendência geral de crescimento do IpC (com excepção da Nazaré que, ainda assim, caiu menos).
A moral desta história – que de moral tem muito pouco – é que a aparente prosperidade comparativa das Caldas, face aos concelhos territorialmente mais próximos, deve-se mais à extraordinária herança cultural, patrimonial, comercial e política recebida das gerações precedentes, do que da riqueza produzida pelas actuais gerações, que tinham o dever de a preservar, senão mesmo de a desenvolver. O país mudou muito, mas mudou para todos. E, quando a realidade à nossa volta muda, também nós temos de mudar, para nos mantermos alinhados, aproveitando as oportunidades e superando as ameaças.
O poder político local gosta de citar estudos que revelam boas posições em diversos rankings concelhios e urbanos, mas não se dá ao trabalho – ou à transparência – de estudar e revelar a realidade que contradiz a aparência das coisas. Na região, Caldas da Rainha foi o concelho que piores resultados obteve, pelo menos nas duas últimas décadas, em termos de bem-estar material da população, quando comparado com a realidade nacional. Por seu lado, a crendice ingénua – ou conivente – de alguns, permite a persistência de mitos e falácias que influenciam o voto e mantêm o status quo do imobilismo e da degradação.
Apesar de tudo, o caminho das pedras está a ser trilhado e o dia chegará em que Caldas da Rainha recuperará o bem-estar material e o prestígio de outrora.
(Publicado em 13.03.2015 na Gazeta das Caldas)





domingo, 1 de março de 2015

168. O buraco das Caldas

Quatro anos após a aprovação da construção e catorze meses depois do seu início - o dobro do prazo previsto, depois de sucessivos e injustificados adiamentos -, é hoje inaugurado mais um parque de estacionamento em Caldas da Rainha. Pela sua dimensão e localização, frente à Câmara, ao Tribunal e à Igreja, o executivo camarário do PSD dá-lhe honras de "obra do regime", como se um buraco para automóveis tivesse a importância de um parque científico ou empresarial, de um complexo termal ou de um centro hospitalar.

Um parque de estacionamento não passa de um parque de estacionamento, por mais jeito que dê a quem não queira ter o incómodo de estacionar uma centena de metros mais adiante - perto do PSP, no CCC, na Pçª 5 de Outubro, junto ao Barclays, frente à Estação, na Rua da Fonte do Pinheiro, etc.). Custou, pelo menos, 3,6 milhões de euros, dinheiro que poderia e deveria ter sido aplicado no aumento da capacidade de atracção e desenvolvimento económico de Caldas da Rainha e na melhoria do nível de emprego e de bem-estar da população.

Pior, este parque de estacionamento foi pensado de forma isolada, sem considerar toda a problemática dos acessos, circulação e escoamento do trânsito na cidade, deixando-se para trás a repavimentação das principais vias de acesso, como as Ruas Vitorino Fróis e da Estação, as quais se encontram em inaceitável estado de degradação. Ou seja, o indigente poder autárquico do PSD compra uma "jóia" cara com uma fortuna que lhe deram, pretendendo ignorar que o corpo urbano anda sujo, roto e mal vestido.


Claro que, estando ali o parque, os caldenses irão usá-lo sempre que precisarem. mas, de cada vez que lá entrarem, pensarão (como eu) em tudo aquilo que, sendo prioritário, poderia ter sido melhorado na cidade e no concelho. Fazer política é fazer escolhas, em nome do bem comum e pensando nos mais necessitados, aplicando recursos escassos a projectos que proporcionem maior retorno económico e social. Veja-se o caso de Óbidos que optou por investir num parque tecnológico, ao invés de o fazer num também necessário parque de estacionamento.

O parque de estacionamento da Praça 25 de Abril vai ser hoje inaugurado, mas a principal via de acesso ao mesmo, a Avenida 1º de Maio, não tem ainda sinalética horizontal e vertical e a Rua Engº Duarte Pacheco está ainda fechada e por acabar. Inaugura-se o que não está concluído, ao sabor dos timings que mais convêm à autarquia partidária, sempre com o argumento demagógico de que isso é feito no interesse dos cidadãos. E oferecem-se quinze dias de estacionamento gratuito, com base numa falaciosa generosidade e benemérita intenção. É tudo assim...

O dia de hoje é de festa, para alguns que gostarão de assistir à presença do senhor doutor governante de Lisboa que tem muito bom aspecto e deu dinheiro às Caldas, ao lado do senhor doutor presidente da Câmara que é muito boa pessoa e dá um equipamento novo ao município. Obrigadinho, obrigadinho... Mas, daqui a uns meses, talvez já não se lembrem da "preciosidade" e pensem mais na falta que fazem estradas sem buracos, contentores de lixo com suficiente capacidade e um hospital com as necessárias condições. Ou só se lembrem da falta de manutenção a que está destinado mais um equipamento municipal.

É que uma coisa é viver na doce e ilusória fantasia, outra bem diferente cair na dura realidade. E talvez se dêem conta, também, dos outros buracos que aí virão...