sexta-feira, 30 de outubro de 2015

188. No meio do caminho

As eleições autárquicas realizaram-se há cerca de dois anos, estando os órgãos eleitos a meio do seu mandato. Apesar de algumas realizações positivas (era o que faltava que não as houvesse, pois estão lá para isso), sobressaem pedras no caminho que comprometem a imagem da autarquia e, por arrasto, de todo o município e seus habitantes. Entre os factos mais relevantes, contam-se a perda de prestígio, liderança e influência de uma cidade que já foi centro da vilegiatura, a incapacidade de recuperação do Hospital Termal e de valorização da Lagoa de Óbidos, a falta de conservação do espaço público e das infraestruturas municipais, os prejuízos causados por obras de regeneração urbana mal planeadas e controladas e, como se tudo isto não bastasse, o preocupante agravamento da saúde financeira da autarquia. Mesmo a Rota Bordaliana que, em si mesmo, constitui uma excelente iniciativa, não é compatível com a forma desleixada como a cidade é gerida.
Os problemas não se limitam, infelizmente, aos aspectos de gestão, também em matéria de transparência e qualidade da vida democrática sobram pedras no caminho que o município tem percorrido. Estas pedras não são as do “caminho das pedras”, nem as que se recolhem dos obstáculos para construir castelos, são antes as dos maus exemplos e dos “casos” que marcaram os dois anos de mandato do actual executivo, lembrando este notável poema de Carlos Drummond de Andrade: “No meio do caminho tinha uma pedra/tinha uma pedra no meio do caminho/tinha uma pedra/no meio do caminho tinha uma pedra./Nunca me esquecerei desse acontecimento/na vida de minhas retinas tão fatigadas./Nunca me esquecerei que no meio do caminho/tinha uma pedra/Tinha uma pedra no meio do caminho/no meio do caminho tinha uma pedra”.
Enquanto a pedra não é retirada, vai-se assistindo a uma lamentável disputa pelo poder dentro da maioria, misturando-se ambições pessoais com ausência de políticas e erros de gestão. O anterior “dono disto tudo” na autarquia, tendo perdido a possibilidade de ser eleito para os parlamentos europeu e nacional, resolveu lançar a sua pré-recandidatura à presidência do município, atacando na praça pública, de forma no mínimo insólita, os erros e fraquezas dos seus correligionários. O recado dos “jovens turcos” não se fez esperar, aconselhando-o a ficar quietinho no lugar de “velho herói e senador” e não tentar “tirar os comandos da nave espacial das mãos dos novos astronautas”. Esta “guerra de comadres” permitiu confirmar as reais intenções do anterior edil e revelar o ambiente vivido dentro da maioria, lembrando outro famoso poema de Drummond: “João amava Teresa que amava Raimundo/que amava Maria que amava Joaquim que amava Lili/que não amava ninguém./João foi pra os Estados Unidos, Teresa para o convento,/Raimundo morreu de desastre, Maria ficou para tia,/Joaquim suicidou-se e Lili casou com J. Pinto Fernandes/que não tinha entrado na história”.
Que importância tem tudo isto para a vida dos munícipes? De que forma as disfunções do poder autárquico afectam a comunidade e travam a iniciativa dos caldenses? Em que medida os sonhos e a vontade de participar dos cidadãos se acham prejudicados por um maioria partidária fechada e ineficiente? Ainda o poeta: “Ponho-me a escrever teu nome/com letras de macarrão./No prato, a sopa esfria, cheia de escamas/e debruçados na mesa todos contemplam/esse romântico trabalho./Desgraçadamente falta uma letra, uma letra somente para acabar teu nome!/- Está sonhando? Olhe que a sopa esfria!/Eu estava sonhando.../E há em todas as consciências um cartaz amarelo:/"Neste país é proibido sonhar”. Eles não sabem que o sonho comanda a vida.

José Rafael Nascimento
(Publicado na Gazeta das Caldas em 30.10.2015)



sexta-feira, 16 de outubro de 2015

187. Rota Bordaliana, para que cidade?

É inaugurada amanhã a tão prometida e esperada Rota Bordaliana, uma ideia excelente que só merece um aplauso e uma saudação calorosa a todos os que contribuíram para a sua concretização. Em vários pontos da cidade de Caldas da Rainha serão colocadas peças de cerâmica figurativa criadas ou inspiradas por Rafael Bordalo Pinheiro, devidamente protegidas por caixas de vidro.


Trata-se de uma justa homenagem à grande figura que foi Bordalo, também ele um ilustre caricaturista, crítico e cenógrafo. Esta homenagem visa também potenciar a capacidade de atracção turística de Caldas da Rainha, ao mesmo tempo que reforça o orgulho identitário e cultural do povo caldense.


Existe, contudo, um senão: o mau estado crónico em que a cidade se encontra e a deficiente manutenção do espaço público por parte da autarquia. Teremos, assim, peças novas e glamorosas num espaço degradado e pessimamente conservado, o que produzirá um contraste difícil de contornar.


Estou em crer que, a partir de amanhã, os cidadãos caldenses se tornarão mais críticos do executivo camarário, tolerando menos o imobilismo e o mau gosto com que este costuma brindar o município e os munícipes. Porque a Rota Bordaliana e as peças de Bordalo são incompatíveis com uma cidade desleixada e maltratada.



sábado, 10 de outubro de 2015

186. Parques e gazelas

O INE designa por “empresas gazela” ou sociedades jovens de elevado crescimento, aquelas que foram criadas há menos de cinco anos e possuem um crescimento médio anual de colaboradores acima de 20% nos últimos três anos. Estas organizações, apesar de representarem uma pequena percentagem do universo empresarial, constituem um indicador de dinamismo económico, criador de emprego, riqueza e desenvolvimento nos territórios em que se inserem. Elas são fortemente inovadoras e capazes de se diferenciarem nos mercados em que actuam, afirmando a sua competitividade e construindo sucesso a um ritmo acelerado. Foi o norte-americano David Birch quem, em 1980, sugeriu o conceito de “empresas gazela”, distinguindo-as das grandes “empresas elefante” e das micro “empresas rato”, ambas com fraca capacidade para criar novos postos de trabalho.
Entre 2009 e 2011, já em período de crise latente em Portugal, existiam na Região Centro 53 “empresas gazela”, cada uma delas empregando pelo menos 10 trabalhadores e possuindo uma facturação igual ou superior a 500 mil euros. Estavam presentes em 31% dos municípios, sendo Leiria aquele que apresentava o maior número. Entre 2011 e 2013, com o país sob assistência financeira internacional, o número de “empresas gazela” na região caiu para 46, reduzindo-se também em dois pontos percentuais os concelhos onde se encontravam sediadas, passando Torres Vedras a liderar. Em termos sub-regionais, destacava-se a região Oeste, pertencendo a maioria das “empresas gazela” aos sectores tradicionais do comércio, construção, indústria (transformadora), transportes e armazenagem. Em três anos, estas empresas quadruplicaram os seus colaboradores e alcançaram um patamar de exportações na ordem dos 38% do seu volume de negócios (7% em 2011).
Pelos dados disponíveis, Caldas da Rainha terá perdido nos últimos anos as poucas “empresas gazela” sediadas no concelho, todas elas do sector dos transportes, tendo sobrevivido provavelmente uma. Quando se olha para o panorama empresarial mais geral, verifica-se que Caldas da Rainha sofreu a tendência recessiva das principais economias do Oeste, perdendo num só ano, entre 2011 e 2012 (últimos dados do INE), em termos líquidos, 423 empresas, o que representou 6,7% do tecido empresarial do município. Como reagiu a autarquia a esta sangria? Mobilizou-se suficientemente para a criação de condições de atracção de investimento? Exerceu influência junto de potenciais investidores nacionais e estrangeiros? Explorou os acordos de geminação firmados com municípios de outros países? Construiu o parque empresarial que havia prometido e onde ainda enterrou alguns milhares de euros?
Falta-nos informação actualizada mas, pelas escassez de notícias sobre a instalação de novas empresas, o marasmo parece ter sido a regra e pouco se fez (e continua a fazer) para contrariar a morte e a deslocalização das empresas sediadas no concelho. A consequência foi o aumento do desemprego que, agora, parece ter baixado um pouco por razão da saída de pessoas qualificadas para outros concelhos e o estrangeiro. Isto não significa que não tenha havido algum investimento no município, como foi o caso da construção de mais um parque de estacionamento para automóveis, mas qual é a qualidade desse investimento? Quantos empregos criou? Quanto investimento adicional atraiu? Óbidos, por exemplo, também construiu um parque, mas empresarial e tecnológico, onde se instalaram novas empresas e para onde mudaram algumas de Caldas da Rainha. Não será já tempo de haver mais visão, mais empenho, mais cooperação, mais eficiência e melhor aplicação do dinheiro?

José Rafael Nascimento
(Publicado na Gazeta das Caldas em 09.10.2015)