sábado, 30 de maio de 2015

174. O futuro das Caldas

Ao assinalar-se mais um aniversário de Caldas da Rainha, é tempo de reflectir sobre o que tem sido a gestão do município, para lá dos mitos e das aparências. Caldas sempre teve o poder de compra per capita mais elevado da região, mas terá sido ultrapassada por Leiria em 2007, por Santarém em 2009 e por Torres Vedras em 2013. Esta tendência é corroborada pelos dados do Anuário Estatístico da Região Centro (INE), segundo os quais a produção (medida pelo volume de negócios das empresas sediadas no concelho) caiu 15,7% entre 2007 e 2012, contra 9,4% na região Oeste, enquanto o emprego (medido pelo número de trabalhadores por conta de outrem) decresceu 14,6%, mais seis décimas do que no mesmo conjunto de municípios. Como já aqui escrevi, o declínio de Caldas da Rainha é um facto inegável e andamos a viver à conta da herança, por mais que nos digam o contrário.


O que é, então, necessário fazer-se? Antes de mais, importa mobilizar as extraordinárias capacidades e competências que Caldas possui – o actual modelo de viciosa hegemonia política tem de dar lugar a um modelo de saudável vantagem competitiva, em que a equidade e o mérito se sobreponham ao proteccionismo e favoritismo. Depois, é preciso que os serviços camarários e municipais se estruturem para dar resposta eficaz e atempada às necessidades e aspirações do concelho – o imobilismo e a ineficiência da governação autárquica tem de dar lugar a uma liderança proactiva e transparente, em que as prioridades sejam bem definidas e os compromissos efectivamente cumpridos. Andar, por exemplo, a adiar o Orçamento Participativo, porque não se implementam os projectos aprovados, é que não.
A política de fomento da economia local deverá valorizar a diversidade de recursos (naturais e edificados) que Caldas possui, bem como a centralidade que permitiu ao município desenvolver-se e alcançar a reputação que hoje vê ameaçada. Nesse sentido, importa dinamizar o termalismo e a polivalência turística, incentivar a cultura e as artes, apoiar o comércio e serviços, e fomentar o investimento agrário e industrial – a orientação da autarquia para os assuntos correntes e administrativos tem de dar lugar a uma gestão estratégica centrada na criação de valor para o município e os munícipes, em que o planeamento, a organização e o controlo sejam efectivos e se traduzam em benefícios concretos.
Mas, para que estas iniciativas no plano económico tenham sucesso, é essencial que as infraestruturas da cidade e do concelho sejam funcionais e atractivas, transmitindo uma imagem de qualidade e bom gosto – a negligência e o mau estado do espaço público tem de dar lugar a uma intervenção preventiva e reparativa, cuidada e permanente, envolvendo a autarquia e outras autoridades, as empresas e os cidadãos. Na vertente social, finalmente, a par do reforço da actividade associativa e da consolidação dos resultados alcançados no sector educativo, é necessário acorrer aos problemas sociais mais prementes do concelho e travar a contínua degradação dos serviços de saúde – a destruição do hospital de Caldas da Rainha é um projecto maquiavélico e inaceitável, causador de múltiplos impactos negativos para o concelho e a região, devendo, por isso, ser travado e revertido.
Caldas da Rainha tem tudo para ser de novo um caso de sucesso, assim queiram os caldenses. Para isso, tem de encontrar a fórmula certa que, de todo, não se enxerga. O futuro das Caldas não pode ser decidido em função de quem gere hoje a autarquia, esta é que tem de ser escolhida em função do que se quer para o futuro do município. Não é tarde para arrepiar caminho, mas faz-se tarde para nos mantermos no mesmo caminho. O caminho certo, o das pedras, faz-se de sabedoria, de amor à terra e determinação, com honestidade, sentido de serviço e inclusão.

José Rafael Nascimento
jn.correio@gmail.com

(Publicado na Gazeta das Caldas de 14 de Maio de 2015)

173. Ontem já era tarde

Caldas da Rainha foi centro da vilegiatura em Portugal, até perder esse estatuto para as praias algarvias. O seu desenvolvimento e sustentabilidade sempre assentaram nos milhares de visitantes que regularmente a demandavam, seja como destino termal, de férias e passeio, seja como capital regional de serviços e negócios. As transformações operadas nas infra-estruturas e tecnologias, bem como nos valores e estilos de vida, criaram novas dinâmicas no país e na região, as quais originaram a redução do fluxo de visitantes a Caldas da Rainha, sem que os responsáveis políticos mostrassem capacidade para contrariar essa tendência. Pior, deixaram (e continuam a deixar) o património degradar-se continuamente, descurando um legado de excepcional valor.
Perante esta realidade, seria lógico que o município se mobilizasse para aumentar a capacidade de atracção de visitantes e turistas, bem como de novos residentes. Era uma questão de sobrevivência, tendo em conta a enorme oferta comercial e de serviços, claramente excedentária para as necessidades e capacidade de consumo dos seus habitantes. Vários concelhos vizinhos o fizeram, mesmo não tendo a carga de responsabilidade que Caldas tinha. Óbidos, por exemplo, apesar de não possuir os extraordinários recursos que Caldas possui, foi capaz de aumentar espectacularmente a sua capacidade de atracção turística, criando um modelo bem estruturado de eventos em torno do glamoroso conjunto vila-castelo. E Caldas da Rainha, o que fez? A resposta pode encontrar-se neste gráfico do Programa Territorial de Desenvolvimento do Oeste 2008-2013, publicado pela OesteCIM (ex-AMO):


Se, à entrada do milénio, o dramático atraso de Caldas da Rainha era este, o que mostram os números uma década depois? Basicamente que o município continua a atrair poucos turistas – tendo até diminuído o número de dormidas por habitante – e que melhorou um pouco a capacidade de alojamento oferecida, apesar desta se manter menos dinâmica do que a média da Região. Assim, por exemplo, enquanto Óbidos registou, entre 2009 e 2013, taxas de crescimento de alojamento (por mil habitantes) e dormidas (por cem habitantes) de 62% e 64%, respectivamente, Caldas da Rainha não conseguiu crescer mais de 22% na capacidade de alojamento e decresceu 2% no número de dormidas.
Sem prejuízo das responsabilidades próprias dos operadores turísticos, cabe à autarquia fazer a sua parte e criar condições favoráveis ao desenvolvimento deste estratégico sector, definindo uma política coerente, sustentada e adaptada à realidade de cada freguesia urbana, marítima e rural. Entre essas condições, salientam-se a conservação e requalificação do espaço público, a valorização e promoção do património natural e edificado, e a criação de um modelo integrado de grandes, médios e pequenos eventos, com suficiente poder de atracção dos públicos da região, das áreas metropolitanas de Lisboa e Porto, e até de outros países (p.e. das cidades geminadas).
Caldas da Rainha precisa de mais ambição e inovação no Turismo, apostando em algumas grandes realizações anuais ou bienais, organizadas em parceria pela autarquia e pelos agentes do comércio e da cultura, celebrando Bordalo e a Cerâmica, a Mulher e a Saúde, a Fertilidade e a Paródia caldense. São também de apoiar alguns eventos que têm dignificado a cidade e atraído visitantes (poderiam e deveriam atrair muitos mais), como o Festival do Cavalo Lusitano do Oeste, o Campeonato Europeu de Veteranos em Badminton ou o Campeonato Nacional de Dança Desportiva. Com mais visão e empenho da autarquia, liderando iniciativas credíveis e estruturantes, e comunicando com maior profissionalismo, a comunidade empreendedora sentir-se-á mais confiante para avançar com projectos turísticos de maior alcance, recuperando para o município os visitantes que este perdeu e de que necessita para se desenvolver.

José Rafael Nascimento
jn.correio@gmail.com

(Publicado na Gazeta das Caldas de 25 de Abril de 2015)

172. Separados à nascença

Caldas da Rainha tem irmãos gémeos, mas não sabe quem são. Há cerca de um ano, o executivo camarário decidiu “efectuar um levantamento das cidades geminadas com o município” mas, quando questionado recentemente sobre o assunto na Assembleia Municipal, optou por não responder. O portal do município indica que Caldas da Rainha está geminada com as cidades de Poços de Caldas (Brasil) e Huambo (Angola) desde 2001 e 2007, respectivamente, tencionando geminar-se com Raincy (França), Coria e Badajoz (Espanha), Ribeira Grande (Cabo Verde), Cambo-les-Bains (França), Dinant (Bélgica), Perth Amboy (EUA) e Lubango (Angola), mas a página online da DGAA (actual DGAL) informa que, em 2001, Caldas da Rainha estaria já geminada com a maioria destas cidades.
Entretanto, actas recentes da Câmara dão conta da geminação de Caldas da Rainha com as cidades de Figueiró dos Vinhos (Portugal) em 2013 e de Jonava (Lituânia) em 2014. Por sua vez, a imprensa local revela que o anterior edil esteve em Beberibe (Brasil) em Junho de 2008, a tratar do "intercâmbio e possível geminação" de Caldas da Rainha com aquela cidade do Ceará, e que a autarquia celebrou também um acordo de parceria - "na altura denominado de geminação" - com La Codosera (Espanha). Contudo, em Outubro de 2014, o actual presidente da Câmara afirmava à Gazeta das Caldas que o acordo firmado com Figueiró dos Vinhos era apenas uma “parceria” e que “lhe parecia que só com os mais antigos foram mesmo feitos acordos de geminação”. Não há palavras moderadas para qualificar tão notável confusão.
Além de não se saber ao certo com que cidades foram assinados protocolos de geminação, ignoram-se também as suas finalidades, iniciativas e resultados, com excepção do caso de Huambo em que, apesar da escassa informação, se sabe que em 2007 foi aprovada uma contribuição de cinquenta mil euros para a construção de uma escola primária naquele município angolano. Oito anos passados, que acções foram desenvolvidas e com que benefícios para ambas as cidades, “nos domínios da cultura e arte, educação, ciência e tecnologia”? Também o protocolo firmado com Figueiró dos Vinhos prevê a “criação da Rota de Malhoa” e o estreitamento das relações entre os dois municípios, “principalmente a nível cultural”. Que passos foram já dados nesse sentido? Porque não são os munícipes informados sobre esta e outras matérias?
No mundo globalizado em que vivemos, a interacção tornou-se mais importante que a localização. Para a socióloga Beatriz Xavier, “a cooperação intermunicipal, nomeadamente através de programas de geminação, surge às cidades como um espaço de apoio e fortalecimento”, pois “as cidades não são pontos isolados mas actores transnacionais, sendo o seu envolvimento e interacção com outros locais e agentes um elemento de crescente importância no universo da concorrência intercidades”. A nível europeu, por exemplo, o programa “Europa para os cidadãos” (2014-2020), apoia “as parcerias entre cidades (geminações)”, constituindo estas “um bom exemplo de como os cidadãos podem aprender uns com os outros, respeitar-se mutuamente e desenvolver projectos locais em conjunto”.
Assisti, recentemente, ao lançamento das bases de uma futura geminação entre a Golegã e a vila moçambicana de Boane, a qual privilegiará a vertente económica e empresarial nos sectores agrícola e agro-alimentar, havendo já investimentos em curso. Não consegui deixar de pensar como Caldas da Rainha vai perdendo, inexoravelmente, oportunidades como esta, pouco fazendo pela sua economia local. Há muito que os caldenses poderiam (e deveriam) estar a obter vantagens da geminação com outras cidades, com todos os benefícios culturais, económicos e sociais decorrentes. Mas não estão, o que é uma pena. Seria importante que a autarquia explicasse o que tem andado a fazer nesta matéria, que iniciativas tenciona levar a cabo e que proveito espera tirar dos protocolos firmados e a firmar.
José Rafael Nascimento
jn.correio@gmail.com

(Publicado na Gazeta das Caldas de 03 de Abril de 2015)