quarta-feira, 19 de agosto de 2015

181. Os nossos outros

Interpelado na AM sobre a sua recente visita aos EUA, a convite da Associação Regional Caldense (ARC), o presidente da Câmara afirmou que "ficava satisfeito por ver agora tanto interesse relativamente às visitas que o presidente da Câmara faz, numa matéria que não era tão relevante no passado". Aparentemente elogiava a iniciativa, não fosse o tom usado e o desabafo que deixou escapar, ao acrescentar "o que é espantoso é que ao fim de trinta anos de visitas do presidente da Câmara aos Estados Unidos, esta questão seja uma questão preocupante". Entendamo-nos, pois: a realidade da diáspora caldense e das visitas que lhe são feitas por representantes da autarquia, são ou não relevantes? Se são, deve ou não haver interesse e preocupação de todas as forças políticas por elas? Se há, agora, tanto interesse, isso é ou não positivo? E porque não houve no passado?
O relacionamento do município com os caldenses emigrados não pode ser visto como um feudo do partido que governa a autarquia, mais a mais para privilegiar uma comunidade (ou associação) que, merecendo todo o respeito e solidariedade, é uma entre outras espalhadas pelo mundo, pelo que se deve perguntar: o executivo camarário sabe quantos caldenses vivem em cada ponto do globo e mantém estreitas relações com essas comunidades, numa base equitativa e satisfatória? Depreende-se, pelas palavras do edil, que não, pois diz que vai apenas "aos locais para que nos convidam e em que vemos que há interesse em estreitar laços de amizade e de relacionamento". Pelos vistos, será unicamente – e de forma repetida há trinta anos – à comunidade de Newark representada pela ARC, "a única que temos na diáspora", diz. Como entender, então, a recente iniciativa de angariação de fundos no Clube Lusitano de Mineola, para ajudar um menino do Avenal que sofre de paralisia cerebral? Não merece semelhante consideração por parte da autarquia? Ou há emigrantes caldenses de primeira e de segunda classe?
À semelhança do trabalho que está por fazer em matéria de aprofundamento da geminação de C. Rainha com outros municípios de Portugal e do Mundo (assunto já aqui abordado), também esta questão da relação e cooperação com os caldenses emigrados tem de merecer um novo interesse e uma nova abordagem, sobretudo quando o concelho regista um fluxo emigratório sem precedentes. A autarquia tem de alargar a sua visão e encarar com maior empenho a realidade da diáspora, cobrindo todas as comunidades caldenses emigradas e dando maior conteúdo e proveito às visitas efectuadas. E não é só a diáspora caldense que carece de atenção, também se exige um novo enquadramento e um relacionamento mais solidário e mutuamente vantajoso com as comunidades estrangeiras que cá residem, designadamente comemorando-se os seus Dias Nacionais, facilitando-se a aprendizagem da língua e cultura portuguesas, e conhecendo-se melhor as suas necessidades e aspirações.
No concelho transmontano de Miranda do Douro, por exemplo, a autarquia local está a implementar, em conjunto com o Alto Comissariado para as Migrações, o programa Mentores para Migrantes (mentores.acm.gov.pt), o qual visa a entreajuda e o apoio de cidadãos voluntários a imigrantes residentes e emigrantes regressados. Com este modelo de intervenção, pretende-se “contribuir para a participação cidadã, a valorização da diversidade, o conhecimento mútuo, a criação de espaços de diálogo e, com isso, promover a coesão social e a construção de uma sociedade mais justa”. Caldas da Rainha tem uma forte tradição universalista e cosmopolita, de acolhimento e hospitalidade, de intercâmbio cultural e económico, e de descoberta e entreajuda. Sempre estivemos no mundo e o mundo sempre esteve connosco, pelo que não faz sentido fecharmo-nos sobre nós próprios e ignorarmos “os nossos outros”, tanto os que partem como os que para cá vêm viver.

(Publicado na Gazeta das Caldas em 07.08.2015)



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