quarta-feira, 19 de agosto de 2015

180. Princípio da realidade

Caro leitor, se o seu vizinho viajou quatro vezes de avião no último ano e você nenhuma, fique a saber que, em média, cada um de vós viajou duas vezes, o que obviamente não corresponde à realidade. Para que serve, então, calcular e divulgar um indicador que não reflecte o que realmente se passa? Serve, simplesmente, para fazer comparações agregadas ou gerais (p.e. comparar a produção ou o consumo de duas regiões com dimensões diferentes), com a consciência das suas limitações interpretativas. E não viria daí mal ao mundo, antes pelo contrário, não fosse o aproveitamento espúrio dessas limitações por parte de quem pretende enviesar a interpretação dos dados e defender, desse modo, um resultado falacioso que pareça mais vantajoso ou conveniente. Quem não se recorda da bombástica afirmação do anterior presidente da autarquia caldense no programa “Prós e Contras” da RTP1 (14/01/2008), de que “os pareceres e estudos solicitados a juristas e técnicos resultam geralmente em conclusões favoráveis às autarquias que pedem esses estudos”? Deve, assim, ter-se em conta que as estatísticas só fazem sentido quando apuradas e interpretadas com ética, ou seja, com seriedade e competência, o que por vezes não acontece, obrigando os receptores da informação a uma análise mais atenta e cuidada.
Recentemente, foi aqui divulgado o estudo Portugal City Brand 2015, da consultora Bloom Consulting (bloom-consulting.com/rankingportugal). O título da notícia e a abertura da mesma afirmavam que “Caldas da Rainha é a segunda melhor marca do Oeste e do distrito de Leiria”, passando uma ideia positiva e de grande apreço, à semelhança, aliás, do que acontecera há um ano atrás. Quem nos dera que assim fosse, mesmo sabendo-se dos problemas crescentes com que a cidade e o concelho se defrontam, designadamente ao nível do comércio, do emprego, da mobilidade, da manutenção do espaço público, etc. A questão é que, como já aqui escrevi (GC de 13/03/2015), Caldas da Rainha mantém ainda uma invejável posição no contexto regional, mas tem vindo dramaticamente a perder terreno para todos os outros municípios, tendo sido já ultrapassada por Torres Vedras, Leiria e Santarém. Ou seja, estamos a viver da herança e isso não pode orgulhar quem defende que se deve viver do trabalho e deixar um futuro melhor às gerações vindouras. Não são boas notícias? Pois não, mas de nada vale “matar o mensageiro” ou colocar o princípio do prazer à frente do da realidade.
De facto, uma análise mais cuidada dos dados divulgados pelo mesmo estudo permite verificar que Caldas da Rainha, de 2013 para 2014, perdeu uma posição no ranking regional, determinado por igual perda nas dimensões “Visitar” e “Viver”. No conjunto do país, Caldas da Rainha perdeu no último ano 8 posições, tendo passado de 26º para 34º. A importância política desta informação deve-se ao facto de se tratar da primeira avaliação, pública e independente, do desempenho do actual executivo camarário. Porque não revelou a imprensa local estes dados? Porque não foi feita uma interpretação objectiva dos mesmos? Porque se escolheu dizer uma meia verdade, sabendo-se que esta será sempre uma inteira mentira? E, note-se, o estudo da Bloom Consulting não é a única fonte de informação a apontar para esta tendência negativa, também o Portal de Transparência Municipal do governo português (portalmunicipal.pt) revela que a dinâmica económica do município de Caldas da Rainha tem sido negativa, com uma quebra significativa da “constituição de novas empresas” em 2014 e um declínio do “volume de negócios por empresa” e da “taxa de sobrevivência das empresas”, entre 2010 e 2012 (últimos dados disponíveis), pior que a média da região. Para quem está atento ou sofre com a situação, estes dados infelizmente não surpreendem e, para levantar a sua moral, melhor será realizar acções concretas do que distorcer a realidade.
(Publicado na Gazeta das Caldas em 17.07.2015)


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