Caro
leitor, se o seu vizinho viajou quatro vezes de avião no último ano e você
nenhuma, fique a saber que, em média, cada um de vós viajou duas vezes, o que
obviamente não corresponde à realidade. Para que serve, então, calcular e
divulgar um indicador que não reflecte o que realmente se passa? Serve,
simplesmente, para fazer comparações agregadas ou gerais (p.e. comparar a
produção ou o consumo de duas regiões com dimensões diferentes), com a
consciência das suas limitações interpretativas. E não viria daí mal ao mundo,
antes pelo contrário, não fosse o aproveitamento espúrio dessas limitações por
parte de quem pretende enviesar a interpretação dos dados e defender, desse
modo, um resultado falacioso que pareça mais vantajoso ou conveniente. Quem não
se recorda da bombástica afirmação do anterior presidente da autarquia caldense
no programa “Prós e Contras” da RTP1 (14/01/2008), de que “os pareceres e
estudos solicitados a juristas e técnicos resultam geralmente em conclusões
favoráveis às autarquias que pedem esses estudos”? Deve, assim, ter-se em conta
que as estatísticas só fazem sentido quando apuradas e interpretadas com ética,
ou seja, com seriedade e competência, o que por vezes não acontece, obrigando
os receptores da informação a uma análise mais atenta e cuidada.
Recentemente,
foi aqui divulgado o estudo Portugal City Brand 2015, da consultora Bloom
Consulting (bloom-consulting.com/rankingportugal).
O título da notícia e a abertura da mesma afirmavam que “Caldas da Rainha é a
segunda melhor marca do Oeste e do distrito de Leiria”, passando uma ideia
positiva e de grande apreço, à semelhança, aliás, do que acontecera há um ano
atrás. Quem nos dera que assim fosse, mesmo sabendo-se dos problemas crescentes
com que a cidade e o concelho se defrontam, designadamente ao nível do
comércio, do emprego, da mobilidade, da manutenção do espaço público, etc. A
questão é que, como já aqui escrevi (GC de 13/03/2015), Caldas da Rainha mantém
ainda uma invejável posição no contexto regional, mas tem vindo dramaticamente
a perder terreno para todos os outros municípios, tendo sido já ultrapassada por
Torres Vedras, Leiria e Santarém. Ou seja, estamos a viver da herança e isso
não pode orgulhar quem defende que se deve viver do trabalho e deixar um futuro
melhor às gerações vindouras. Não são boas notícias? Pois não, mas de nada vale
“matar o mensageiro” ou colocar o princípio do prazer à frente do da realidade.
De
facto, uma análise mais cuidada dos dados divulgados pelo mesmo estudo permite
verificar que Caldas da Rainha, de 2013 para 2014, perdeu uma posição no ranking regional, determinado por igual
perda nas dimensões “Visitar” e “Viver”. No conjunto do país, Caldas da Rainha
perdeu no último ano 8 posições, tendo passado de 26º para 34º. A importância
política desta informação deve-se ao facto de se tratar da primeira avaliação,
pública e independente, do desempenho do actual executivo camarário. Porque não
revelou a imprensa local estes dados? Porque não foi feita uma interpretação
objectiva dos mesmos? Porque se escolheu dizer uma meia verdade, sabendo-se que
esta será sempre uma inteira mentira? E, note-se, o estudo da Bloom Consulting
não é a única fonte de informação a apontar para esta tendência negativa,
também o Portal de Transparência Municipal do governo português (portalmunicipal.pt) revela que a
dinâmica económica do município de Caldas da Rainha tem sido negativa, com uma
quebra significativa da “constituição de novas empresas” em 2014 e um declínio do
“volume de negócios por empresa” e da “taxa de sobrevivência das empresas”,
entre 2010 e 2012 (últimos dados disponíveis), pior que a média da região. Para
quem está atento ou sofre com a situação, estes dados infelizmente não
surpreendem e, para levantar a sua moral, melhor será realizar acções concretas
do que distorcer a realidade.
(Publicado na Gazeta das Caldas em 17.07.2015)
Sem comentários:
Enviar um comentário