As
eleições autárquicas realizaram-se há cerca de dois anos, estando os órgãos
eleitos a meio do seu mandato. Apesar de algumas realizações positivas (era o
que faltava que não as houvesse, pois estão lá para isso), sobressaem pedras no
caminho que comprometem a imagem da autarquia e, por arrasto, de todo o
município e seus habitantes. Entre os factos mais relevantes, contam-se a perda
de prestígio, liderança e influência de uma cidade que já foi centro da
vilegiatura, a incapacidade de recuperação do Hospital Termal e de valorização
da Lagoa de Óbidos, a falta de conservação do espaço público e das
infraestruturas municipais, os prejuízos causados por obras de regeneração
urbana mal planeadas e controladas e, como se tudo isto não bastasse, o
preocupante agravamento da saúde financeira da autarquia. Mesmo a Rota Bordaliana que, em si mesmo,
constitui uma excelente iniciativa, não é compatível com a forma desleixada
como a cidade é gerida.
Os problemas não se
limitam, infelizmente, aos aspectos de gestão, também em matéria de
transparência e qualidade da vida democrática sobram pedras no caminho que o
município tem percorrido. Estas pedras não são as do “caminho das pedras”, nem
as que se recolhem dos obstáculos para construir castelos, são antes as dos
maus exemplos e dos “casos” que marcaram os dois anos de mandato do actual
executivo, lembrando este notável poema de Carlos Drummond de Andrade: “No meio do caminho tinha uma pedra/tinha uma pedra no
meio do caminho/tinha uma pedra/no meio do caminho tinha uma pedra./Nunca me
esquecerei desse acontecimento/na vida de minhas retinas tão fatigadas./Nunca
me esquecerei que no meio do caminho/tinha uma pedra/Tinha uma pedra no meio do
caminho/no meio do caminho tinha uma pedra”.
Enquanto
a pedra não é retirada, vai-se assistindo a uma lamentável disputa pelo poder
dentro da maioria, misturando-se ambições pessoais com ausência de políticas e
erros de gestão. O anterior “dono disto tudo” na autarquia, tendo perdido a possibilidade
de ser eleito para os parlamentos europeu e nacional, resolveu lançar a sua
pré-recandidatura à presidência do município, atacando na praça pública, de
forma no mínimo insólita, os erros e fraquezas dos seus correligionários. O
recado dos “jovens turcos” não se fez esperar, aconselhando-o a ficar quietinho
no lugar de “velho herói e senador” e não tentar “tirar os comandos da nave
espacial das mãos dos novos astronautas”. Esta “guerra de comadres” permitiu
confirmar as reais intenções do anterior edil e revelar o ambiente vivido
dentro da maioria, lembrando outro famoso poema de Drummond: “João amava Teresa
que amava Raimundo/que amava Maria que amava Joaquim que amava Lili/que não
amava ninguém./João foi pra os Estados Unidos, Teresa para o convento,/Raimundo
morreu de desastre, Maria ficou para tia,/Joaquim suicidou-se e Lili casou com
J. Pinto Fernandes/que não tinha entrado na história”.
Que
importância tem tudo isto para a vida dos munícipes? De que forma as disfunções
do poder autárquico afectam a comunidade e travam a iniciativa dos caldenses?
Em que medida os sonhos e a vontade de participar dos cidadãos se acham prejudicados
por um maioria partidária fechada e ineficiente? Ainda o poeta: “Ponho-me a
escrever teu nome/com letras de macarrão./No prato, a sopa esfria, cheia de
escamas/e debruçados na mesa todos contemplam/esse romântico trabalho./Desgraçadamente
falta uma letra, uma letra somente para acabar teu nome!/- Está sonhando? Olhe
que a sopa esfria!/Eu estava sonhando.../E há em todas as consciências um
cartaz amarelo:/"Neste país é proibido sonhar”. Eles não sabem que o sonho
comanda a vida.
José
Rafael Nascimento
(Publicado na Gazeta das Caldas em 30.10.2015)